Corria o ano de 1998 quando a Trofa se separou de Santo Tirso criando um novo concelho. As freguesias de Alvarelhos, S. Martinho de Bougado, Santiago de Bougado, S. Mamede do Coronado, S. Romão do Coronado, Covelas, Guidões e Muro foram desanexadas do concelho de Santo Tirso e anexadas ao novo concelho da Trofa. O concelho de Santo Tirso era por isso, até esse ano, um dos dez mais populosos de todos o país. As perdas por essa decisão administrativa são incalculáveis até hoje.
Santo Tirso ficou de 1998 até 2013 com as freguesias da Agrela, Água Longa, Monte Córdova, Rebordões, Reguenga, Roriz, São Tomé de Negrelos, Carreira, Refojos de Riba D’ave, Santo Tirso, Couto, Santa Cristina, São Miguel, Burgães, Areias, Sequeirô, Lama, Palmeira, Lamelas e Guimarei, São Martinho do Campo, São Salvador do Campo, São Mamede de Negrelos, Vila das Aves e Vilarinho.
Com a reforma administrativa de 2013 são agora 14 as freguesias de Santo Tirso: Agrela, Água Longa, Monte Córdova, Rebordões, Reguenga, Roriz, São Tomé de Negrelos, União de Freguesias da Carreira e Refojos de Riba D’ave, União de Freguesias de Santo Tirso, Couto (S. Cristina e S. Miguel) e Burgães, União de Freguesias de Areias, Sequeirô, Lama e Palmeira, União de Freguesias de Lamelas e Guimarei, Vila Nova do Campo, Vila das Aves e Vilarinho
Passaram-se 23 anos desde que milhares de trofenses se deslocaram em 130 autocarros para as imediações da Assembleia da República. O objetivo era muito claro, pressionar os deputados a decidirem pela criação do concelho da Trofa e pela divisão de Santo Tirso. O Presidente da Câmara na altura era Joaquim Couto, do Partido Socialista (PS). O governo era liderado por António Guterres, atual secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), também do PS. No entanto na Assembleia da República o PS não tinha uma maioria absoluta, ou seja, dependia sempre de outros partidos para aprovar propostas. O PS tinha 122 deputados, o PSD 88, o CDS e a CDU 15 deputados cada um.
Os deputados, através de acordos feitos entre eles, mais concretamente, através de acordos feitos entre o PSD, o CDS e o PCP, aprovaram na generalidade e na globalidade a elevação de Trofa a concelho. Mas é preciso recuar até ao ano de 1989 para perceber o que aconteceu em 1998, na mesma com Joaquim Couto como Presidente da Câmara Municipal. Nesse ano foi criada Comissão Promotora do Concelho da Trofa com o objetivo da criação do concelho. No ano na seguinte, na Assembleia de freguesia de S. Martinho do Bougado, ficou decidido nomear uma comissão para estudar como se poderia desenvolver esse processo que seria contar com as oito freguesias que se situavam no lado oeste de Santo Tirso. E tal como constam nos registos, inclusive dois autarcas socialistas foram contra a vontade do partido. Mais um ano passado e foi apresentada na Assembleia da República a primeira petição para a criação do concelho da Trofa até que em janeiro de 1998 a mesma petição foi atualizada, contando agora com todos os requisitos necessários para a criação do concelho, algo que veio a acontecer em novembro de 1998. Em 1999, Joaquim Couto, o autarca de Santo Tirso durante todo este processo foi nomeado governador civil do Porto e abandonou a Presidência da Câmara deixando um concelho fragmentado, dividido e com um longo processo judicial em mãos, a indemnização que Santo Tirso exigiu ao estado português, assunto que será abordado num outro artigo.
Desde 1999, ano que Castro Fernandes assumiu a Presidência da Câmara, vencendo as eleições em 2001, 2005 e 2009, todo o processo deixado pelo seu antecessor caiu nas suas mãos. Foi preciso resolver muitas questões burocráticas, muitos processos legais, inúmeras operações do dia a dia ao nível de trabalhos, limpeza e manutenção, etc., e ficou também por resolver a questão dos limites dos concelhos de Santo Tirso e da Trofa, limites esses que continuam sem estar definidos, atualmente, em 2021.
Do lado da Trofa, Bernardino Vasconcelos era o rosto mais visível do recém criado concelho da Trofa. Ex-candidato à Câmara Municipal de Santo Tirso, primeiro vereador pelo PSD na Câmara Municipal de Santo Tirso de 1993 a 1998, deputado na Assembleia da República de 1995 a 1998, Presidente da Comissão Instaladora do Município da Trofa de 1998 a 2001 e naturalmente era o Secretário da Mesa da Assembleia de Freguesia de São Martinho de Bougado de 1989 a 1993, onde tudo começou. Foi com relativa facilidade que Bernardino Vasconcelos foi eleito Presidente da Câmara Municipal da Trofa em de 2001 e 2005, ou seja, durante 8 anos, a acrescentar os 3 anos de 1998 a 2001 em que foi um dos principais decisores.
Castro Fernandes foi Presidente da Câmara Municipal de Santo Tirso durante 14 anos e foram inúmeras as ocasiões em que a questão dos limites dos dois concelhos foi um tema abordado, como se pode facilmente constatar em atas do município ou até mesmo em notícias na comunicação social.
“O grave disto tudo é que a lei que criou o concelho da Trofa não continha o anexo com a delimitação dos dois concelhos”, instrumento a que a legislação sobre criação de municípios obriga, disse o presidente da Câmara de Santo Tirso, Castro Fernandes, em 2008, ao Jornal de Notícias. Castro Fernandes apontava “graves prejuízos” para a região, uma vez que os investidores “não sabem onde pertencem os terrenos nem quem emite as licenças” e, receando entraves burocráticos, retraem-se.
Em causa está aquilo que o ex-autarca diz ser a “zona de ninguém”, próxima da A3, “muito apetecível” para empresários. Fica junto ao ribeiro de Ervosa, entre Santo Tirso e Santa Cristina do Couto e a de S. Martinho de Bougado, na Trofa. “Defendemos que o limite de Santo Tirso vai para lá de Ervosa (oeste)”, refere Castro Fernandes, lembrando que “a proposta do Instituto Geográfico Português diz que a área da portagem (saída da A3) é metade da Trofa e metade de Santo Tirso”. Mas não há acordo, e “a única entidade que pode delimitar é a Assembleia da República”, reforçou na altura.
Em 2010 foi celebrado um acordo no Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel em que na cláusula primeira os presidentes de câmara “declararam aceitar que continue a vigorar e até à fixação dos definitivos, os limites provisórios fixados pelo Instituto Português de Cartografia e Cadastro, em cumprimento pelo Despacho conjunto nº542/99 de 31 de Maio, proferidos pelos Ministérios dos Negócios Estrangeiros e do equipamento e da Administração do Território e do Ambiente publicado em Diário da Republica de 07/07/1999”.
Em Agosto de 2012, Castro Fernandes continuava a pressionar a Assembleia da República para fixar os limites territoriais do concelho. O autarca referia que esta indefinição dos limites dos concelhos vizinhos se arrastava desde dezembro de 1998, aquando da criação do município da Trofa e atribui “responsabilidade exclusiva” do impasse à Assembleia da República: “É insustentável e está a gerar graves problemas na gestão do território com repercussões nos particulares, sobretudo para efeitos de registos, de licenciamento e fiscais”.
Entretanto na Trofa, Joana Lima, do Partido Socialista, destronou Bernardino Vasconcelos em 2009 e tornou-se Presidente da Câmara, conquistando o Partido Socialista o poder pela primeira e única vez no concelho. Em 2012 o executivo camarário da Trofa juntou-se à iniciativa do executivo camarário de Santo Tirso: “Aquando da criação do Município da Trofa, em 1998, os limites entre os dois Concelhos, deveriam ter sido definidos, evitando assim estes quase 14 anos de indefinição que têm causado tantos constrangimentos aos nossos munícipes e empresários», constava num comunicado assinado por Joana Lima, em 2012.
Devido à limitação de mandatos no poder autárquico Castro Fernandes não se pôde recandidatar nas eleições autárquicas de 2013 e Joaquim Couto regressou ao poder em Santo Tirso depois de ter tentado ser eleito Presidente da Câmara de Vila Nova de Gaia, em 2009, perdendo as eleições. Na Trofa, Joana Lima também perdeu as eleições para Sérgio Humberto, que é o atual presidente da Câmara. Em 2015 o assunto voltou a estar na ordem do dia, mas agora na Trofa. Sérgio Humberto referiu-se ao acordo celebrado por Joana Lima com Castro Fernandes como sendo “um ato criminoso”. O assunto foi levado à Assembleia Municipal da Trofa por Alberto Fonseca, do Partido Social Democrata, que quis saber qual “o ponto de situação” do acordo “do qual nenhum trofense, além de Joana Lima, tinha conhecimento”. “Pior do que vender os terrenos, é que se esteja a dar terrenos a outros concelhos, quando sabemos que cada metro quadrado da Trofa tem muito mais valor do que cada metro quadrado de outro concelho”, referiu. Ficou claro por isso que o executivo da Trofa liderado por Sérgio Humberto considerava que o acordo celebrado em 2010, por Joana Lima, defendia mais os interesses de Santo Tirso do que os da Trofa.
Atualmente o problema da limitação dos concelhos continuar por resolver do lado de Santo Tirso. O Diário de Santo Tirso entrou em contacto com alguns proprietários na “terra de ninguém”, tal como Castro Fernandes apelidou, confirmando essa falha administrativa. Relativamente aos limites da Trofa com os restantes concelhos (Famalicão, Vila do Conde e Maia), a semana passada Sérgio Humberto congratulou-se por ver resolvido o problema de fronteiras entre a Trofa e Maia. “No caso do nosso Município, são muitos os problemas finalmente resolvidos relacionados com casas e empresas, concretamente nas freguesias do Coronado, Muro, Alvarelhos/Guidões e Covelas. Um passo extremamente importante e necessário para os dois concelhos”, escreveu Sérgio Humberto nas redes sociais.
Voltando a Santo Tirso, os problemas continuam. “É lamentável e não tem lógica nem sentido”, dizia José Areal ao Jornal de Notícias, proprietário de uma casa, registada na aldeia de Ervosa, em S. Martinho de Bougado, na Trofa, estaria, a vingarem os argumentos de Santo Tirso, em solo tirsense. “Parte dos terrenos da zona industrial de Fontiscos (Santo Tirso) eram de proprietários da aldeia de Ervosa, de S. Martinho (Trofa). Há lá marcos que dividem as freguesias”, argumentava, por sua vez, Jerónimo Matos.
À parte de um pedido de indeminização de Joaquim Couto ao município da Trofa em 2014 e 2018 relativamente a “salários dos funcionários” e a “empréstimos que deviam ter passado para a Trofa”, não é conhecida qualquer ação que o executivo camarário, liderado pelo ex-presidente, tenha feito para pressionar o poder político, mais concretamente, a Assembleia da República, a resolver finalmente esta situação. O Diário de Santo Tirso foi consultar as atas do município desde 2013 e desde esse ano não encontrou qualquer referência ao processo de definição dos limites dos concelhos de Santo Tirso e da Trofa. De referir que a pesquisa no site do município relativamente a documentos do passado é de muito difícil acesso o que torna qualquer procura exacerbante. Todos os documentos são digitalizados diretamente no site do município e não são transcritos manualmente. Uma procura para ser efetiva tem de ser feita manualmente. Entretanto em 2019, Alberto Costa substituiu Joaquim Couto como Presidente da Câmara, na sequência da sua detenção no âmbito da “Operação Teia”, faz agora dois anos. 23 anos depois do divórcio entre a Trofa e Santo Tirso o problema mantém-se.