Diário de Santo Tirso

Entrevista a Ana Isabel Silva, líder do Bloco de Esquerda em Santo Tirso

Ana Isabel Silva, 26 anos, natural do concelho de Santo Tirso, licenciada em Bioquímica e investigadora em ciências da saúde. Neste momento é a líder da concelhia do Bloco de Esquerda de Santo Tirso.

O Diário de Santo Tirso entrevistou esta jovem política para conhecer um pouco melhor a posição e aspiração do partido em Santo Tirso e também para conhecer a sua opinião sobre a situação geral que vivemos quer em Santo Tirso quer no país.

Diário de Santo Tirso: O Bloco de Esquerda começa a afirmar-se em Santo Tirso. Quais são os objetivos principais para as próximas eleições autárquicas, em Santo Tirso?

Ana Isabel Silva: Nas próximas eleições autárquicas, esperamos que a presença do Bloco de Esquerda obrigue finalmente a um profundo debate sobre a cidade e governação que queremos em Santo Tirso. Queremos também, obviamente, conseguir estar representados nos órgãos executivos, para que consigamos influenciar as políticas autárquicas e permitir uma maior transparência com canais mais diretos entre o poder local e os Tirsenses.

 

DSTS: Quem vai ser o candidato pelo partido às eleições autárquicas de 2021?

Ana Isabel Silva: Neste momento estamos focados na eleição da comissão concelhia que acontecerá no início do próximo ano e na elaboração do programa autárquico. Essa decisão será tomada mais à frente com a participação de todos os militantes. Mais importante do que as caras, são as propostas políticas.

 

DSTS: Que avaliação faz da gestão socialista no município nos últimos três anos?

Ana Isabel Silva: Infelizmente, foi marcada por episódios que todos preferíamos que não tivessem acontecido. Penso que tem sido pautada por falta de transparência e com pouca definição das prioridades. Tem sido também uma atuação tímida, no sentido que tem havido pouca vontade de fazer diferente e de arriscar novas soluções para o concelho. Isso é uma das consequências de ter o poder há muito tempo. Quando estamos agarrados ao poder torna-se difícil pensar em estratégias arrojadas. Da parte do Bloco, queremos transformar Santo Tirso para melhor. Não estamos agarrados ao passado, trazemos connosco a transparência de uma política à esquerda, coisa que o PS há muito desistiu.

O executivo tem aparecido em muitos eventos e inaugurações mas falha em não estar ao lado das pessoas nos seus momentos mais vulneráveis. Sempre que há despedimentos, sempre que os trabalhadores lutam por melhores condições, sempre que os jovens se manifestam por melhores políticas ambientais, o executivo não está presente.

Vivemos tempos de exceção este ano com a pandemia. No entanto, o executivo adjetiva este último orçamento para 2021 como de continuidade e com as mesmas prioridades dos anteriores. Não se percebe como não há uma adaptação tanto das prioridades como do investimento feito.

 

DSTS: No último verão Santo Tirso foi notícia em todo o país devido à tragédia no canil da Agrela, sendo que o Bloco de Esquerda a nível local teve uma intervenção ativa. A responsabilidade do que aconteceu foi do executivo municipal?

Ana Isabel Silva: O bem-estar animal não foi claramente uma prioridade para a autarquia em todos os anos de governação. O canil ilegal era conhecido pelo executivo e nada foi alterado pelo simples facto de não querer criar uma alternativa municipal. Aliás, a irresponsabilidade do executivo nesta matéria foi assumida pelo presidente da Câmara de Santo Tirso quando retirou o pelouro do bem-estar animal ao vereador que o tinha, José Pedro Machado. Isto foi uma clara admissão de que falharam neste aspeto. A ação, ou neste caso inação, da proteção civil, foi também responsabilidade do executivo. Mais do que falta de ação política, foi demonstrada uma falta de humanidade durante todo o processo. Passados meses, a capacidade de resposta do município no que toca aos animais continua quase igual ao que já existia.

 

DSTS: Quais deveriam ser as prioridades para Santo Tirso, na sua opinião?

Ana Isabel Silva: Somos uma zona bastante industrializada. Assim sendo, a dignidade no trabalho tem de ser a nossa prioridade. Os trabalhadores, independentemente das condições económicas do país e das empresas, raramente vêm as suas condições melhoradas. As nossas prioridades são:

Defesa do Emprego Com Direitos;
Combate às Alterações Climáticas e respeito pelo meio ambiente;
Uma rede pública de transportes com qualidade e capacidade de resposta no território;
Investimento em Habitação Pública;
Investimento na Cultura, na salvaguarda do património e em apoios às artes;
Bem-estar Animal.

 

DSTS: No que concerne à saúde e apoio social, que medidas apontam para o melhoramento destas duas áreas?

Ana Isabel Silva: Sobre a Saúde, não há dúvidas sobre a necessidade de reforço do SNS. Queremos garantir que nenhum tirsense fique sem médico de família no próximo mandato. Tem de ser uma das políticas que a Câmara deve garantir junto do Governo da República. A melhoria dos serviços nos Centros de Saúde é outra. A desvalorização do Centro Hospital de Santo Tirso, com poucos profissionais e meios, é preocupante e tem de ser substancialmente melhorado. Não há justificação para que os meios complementares de diagnóstico, quase sempre necessários, tenham de ser realizados noutros hospitais como o de Famalicão. Não podemos permitir que o nosso hospital seja transformado numa mera enfermaria quando temos milhares de tirsenses a necessitar dos serviços de saúde. O apoio à saúde mental, ainda mais depois das consequências desta pandemia, é claramente necessário. Isto é algo que deve merecer atenção pelo executivo camarário.

Sem dúvida que a Habitação Pública deve ser, também, um eixo central das políticas públicas locais nos próximos anos. “Persistem em Portugal situações de grave carência habitacional” – esta é a conclusão do Levantamento Nacional das Necessidades de Realojamento Habitacional, promovido pelo Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU). Os números são reveladores: 187 municípios são afetados por carências habitacionais, mais de 14.000 edifícios e 31.000 fogos não têm condições de habitabilidade e mais de 25.000 famílias estão a precisar de ser realojadas. Este investimento é também a única maneira de garantirmos que os jovens ficam na nossa cidade. O arrendamento em Santo Tirso tem muito pouco oferta e é caro. A Câmara devia ter uma bolsa municipal de arrendamento que disponibilize, a jovens e famílias, habitação digna a preços controlados.

 

DSTS: De que forma considera que os investimentos privados podem contribuir para Santo Tirso ganhar o relevo que já teve no Norte e no país?

Ana Isabel Silva: O investimento futuro terá de ser sustentável garantindo trabalho digno e seguro. Não se pode continuar sem uma postura crítica do trabalho precário. Se é verdade que até à pandemia, os números do desemprego em Santo Tirso baixaram consideravelmente, a pandemia veio alterar essa realidade. O investimento privado tem de cumprir a lei, garantir emprego com direitos. Este investimento deve também respeitar o meio ambiente. Não podemos continuar a aceitar a impunidade de algumas empresas poluentes, com consequências que serão sentidas por todos no futuro próximo.

 

DSTS: Como avalia a atual gestão da pandemia por parte do governo liderado por António Costa e apoiado até há pouco tempo pelo Bloco de Esquerda?

Ana Isabel Silva: O governo não tem tomado todas as medidas sociais em dois aspetos importantes: no investimento na saúde e na proteção do emprego. Aliás, demorou bastante tempo a garantir a baixa por COVID-19 a 100%, fazendo com que pessoas infetadas não tivessem capacidade de deixar de trabalhar e ficar em isolamento. Mas o investimento no SNS, para garantirmos que todos têm o tratamento necessário, tanto infetados com Covid, como com outras patologias, é urgente. Isto tem de passar pela contratação de mais enfermeiros, médicos e auxiliares de ação médica. O OE para 2021 não garante nenhuma dessas respostas.

 

DSTS: Várias personalidades afirmam que não estamos todos no mesmo barco, muitas pessoas dizem que uns estão num navio e outros numa jangada. Considera que a pandemia está a afetar todas as pessoas por igual, tanto a nível de saúde como a nível económico?

Ana Isabel Silva: Obviamente que não. Pessoas com capacidade de fazerem teletrabalho ou com contratos menos precários foram capazes de cumprir mais o isolamento necessário ao mesmo tempo que garantiam o seu rendimento. As pessoas com vínculos mais precários, foram as primeiras a serem despedidas no início da pandemia, vendo a sua condição económica ser fortemente afetada. Quem tinha um pequeno negócio, em que o seu salário dependia do seu trabalho, viu-se de repente sem fontes de rendimento. Isto acontece no mesmo período em que empresas que apresentam lucros despedem com facilidade e distribuem dividendos sobre os seus acionistas. Por isso, claramente não estamos a viver isto de forma igual.

 

DSTS: Que consequências económicas prevê para Portugal no próximo ano?

Ana Isabel Silva: Claramente os próximos tempos não serão fáceis para a economia portuguesa. No entanto, as consequências económicas serão tanto maiores quanto menos protegermos os postos de trabalho agora. Para garantir a sustentabilidade tanto da economia como da própria segurança social, é necessário apoiar a manutenção do emprego, criar apoios sociais que combatam a pobreza neste momento e apoiar as micro, mini, pequenas e médias empresas, essenciais à economia real.

DSTS: Relativamente a Santo Tirso, o que poderia fazer a Câmara Municipal de diferente para apoiar o comércio local que está a atravessar tempos de emergência e de desespero?

Ana Isabel Silva: A Câmara tem obviamente de apoiar o comércio local. Mas antes de pensar nessas medidas era importante a CM STS pensar melhor no que considera comércio local. As grandes superfícies detidas pela Sonae nunca devem ser consideradas comércio local, mas infelizmente o executivo autárquico parece colocar tudo no mesmo saco. É necessário incentivar os tirsenses a comprarem no comércio local. Isto pode ser feito através da distribuição de vales que apenas possam ser usados neste comércio, assim como apoio a rendas. Sem medidas desta natureza, vamos engordar ainda mais as grandes empresas e esquecer os pequenos comerciantes, que são a vida da cidade.

 

DSTS: Que mensagem gostaria de deixar a todas as pessoas de Santo Tirso?

Ana Isabel Silva: Primeiramente, queria deixar uma nota de apoio e de esperança para quem está a passar dificuldades tanto de saúde como económicas neste tempo de pandemia e obviamente para quem perdeu familiares ou conhecidos. Gostava também de pedir a todos os tirsenses que imaginassem uma cidade diferente. Não se resignem e compreendam que todos podemos fazer parte da mudança que queremos ver.

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