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Ana Isabel Silva, figura conhecida de muitos tirsenses do mundo da política, está a viver atualmente uma experiência profissional nos Estados Unidos da América.
A trabalhar há vários anos no centro de investigação i3S da Universidade do Porto, Ana Isabel terminou o doutoramento em julho e logo surgiu uma nova oportunidade de trabalho.
Contratada para ser investigadora no Instituto de Neurociência da Georgia State University, em Atlanta, Estados Unidos, vai continuar a estudar o uso de drogas, como psicoestimulantes, com foco em ambos os sexos, já que o estudo em fêmeas e mulheres ainda é insuficiente.
Vai também estudar como a exposição a stress no início da vida pode tornar alguém mais vulnerável ou resiliente em adultos, nomeadamente ao uso de drogas.
O Diário de Santo Tirso esteve à conversa com a Ana Isabel Silva sobre a sua vida do outro lado do oceano.
– O que levou a aceitar este novo desafio profissional?
Sempre tive o desejo de viver uma experiência fora do país, tanto a nível pessoal, para descobrir novas cultura, língua e pessoas, como a nível profissional, porque não queria que a minha carreira fosse limitada a Portugal. Sempre tive muita curiosidade para saber como as coisas são feitas noutros contextos. Mas a verdade é que minha ideia sempre foi mudar-me para outro país europeu, mas surgiu esta oportunidade inesperada e aproveitei.
Fui convidada por uma investigadora americana para integrar o seu grupo e foi-me dada a oportunidade de visitar pessoalmente para conhecer a chefe, a equipa e as instalações. Depois deste encontro, senti que seria um excelente encaixe. As condições oferecidas eram boas e a filosofia do instituto e das chefias também encaixava comigo. Para além disso senti que estava no momento certo da minha vida para fazer uma mudança tão grande e estou muito feliz com essa decisão e por ter a oportunidade de experienciar um país com uma cultura tão diferente da europeia.
– Como estão a ser estes primeiros meses nos Estados Unidos da América, como está a ser essa adaptação?
A adaptação tem sido muito boa, em grande parte devo isso ao esforço que os meus colegas de trabalho têm feito para me integrar. Ter-me mudado no Verão também ajudou bastante. Fazer esta mudança quando os dias são compridos e temos bastante sol acho que facilita. No entanto, é importante não romantizar a experiência de sair do país; na realidade, é, pelo menos no início um grande teste à nossa resistência. Por mais fluente que sejamos nem sempre é fácil estar constantemente a falar numa língua que não é a nossa. De repente, ficamos longe da família e dos amigos próximos, e deixamos de ter essas pessoas para almoçar, conversar pessoalmente ou partilhar momentos em celebrações. Inicialmente passamos muito tempo sozinhos.
Além disso, estando fora da Europa, as viagens a casa são mais difíceis, já não é possível fazer uma viagem rápida de poucos dias com a frequência que se gostaria. Ser emigrante, especialmente nos Estados Unidos, implica um certo nível de stress, com a constante necessidade de tratar de documentos e burocracia. Tive o infortúnio de estar aqui durante o segundo mandato de Trump, o que me deixa algo preocupada. Sinto uma grande incerteza no ar, nomeadamente em relação ao investimento em ciência.
– Quais são as principais diferenças entre Portugal e os Estados Unidos da América em termos de cidade, da vida no dia a dia e em termos de condições de trabalho?
A experiência que tenho tido aqui é bastante diferente de Portugal e talvez da Europa. A experiência pode variar consoante as pessoas e a cidade por isso o meu relato é bastante pessoal. Sinto bastante diferença na comida (para pior), a forma como as pessoas encaram a vida seja ela pessoal ou profissional, o tipo de convivência e as relações interpessoais. Os norte-americanos são excelentes em conversa de circunstância, têm sempre um grande nível de energia colocado nessas conversas, o que por vezes pode parecer algo mais superficial e até pouco genuíno, requer habituação. A vida social e os momentos de lazer também são diferentes; tudo começa muito mais cedo, e tudo termina mais cedo. Lembro-me da primeira vez que me convidaram para um jantar às 6 da tarde! Isso leva a que as interações sociais sejam mais curtas, mas também ajuda a criar uma maior distinção entre vida pessoal e profissional. O custo de vida é consideravelmente mais alto. Há uma constante preocupação com a saúde, já que, mesmo com seguro, as despesas médicas, como uma ida à urgência, fica sempre cara e no entanto, os impostos, ao contrário do que se possa pensar, não são assim tão mais baixos quanto se diz.
Em termos profissionais, acho que aqui o foco no trabalho é muito maior em termos de eficácia e produtividade. Isso reflete-se na forma como o ambiente de trabalho é organizado, com muito menos tempo para convívio, que acaba por permitir uma distinção mais clara entre a vida profissional e a pessoal. Tenho tido uma agradável surpresa com os estudantes americanos. São extremamente focados, profissionais, ambiciosos, e ao mesmo tempo pessoas com interesses fora da faculdade, o que, para mim, mostra uma maturidade notável. A capacidade de elogiar, de criticar construtivamente quando necessário, de dar feedback no geral é algo que fazemos pouco em Portugal e que aqui é mais comum e natural. O elogio sincero é muito importante e em Portugal parece que temos alguma dificuldade em fazê-lo, pelo menos profissionalmente
– O contrato de trabalho é válido para dois anos, com mais um de opção, o objetivo é ficar três anos, ou prolongar ainda mais essa estadia?
Acho importante planearmos bem a nossa vida mas para mais de 2 anos neste momento não consigo fazer esse tipo de planeamento. A vida vai mostrando que há sempre um limite para o que conseguimos prever e controlar. Neste momento sinto-me bem aqui, com capacidade e apoio profissional para demonstrar a minha capacidade como cientista e para desenvolver a minha própria linha de investigação. O objetivo é permanecer nos Estados Unidos até alcançar um currículo que me permitam avançar para o próximo passo da minha carreira, depois disso não sei. A verdade é que não planeei vir para os Estados Unidos após o doutoramento e acabou por acontecer. Gostava muito de voltar para a Europa e que Portugal tivesse oportunidades e desafios que me realizassem profissionalmente.
– Já tinha em mente ir além fronteiras para desenvolver o seu trabalho ou foi algo que surgiu sem esperar?
Sempre quis ter uma experiência internacional e, inicialmente, imaginei que isso aconteceria na Europa. Acabei por vir para os Estados Unidos, e acho que foi uma boa decisão. Gostava de, no futuro, trabalhar num país europeu mesmo que não seja Portugal, pelo menos, estaria mais perto de casa. Acredito que há muitas vantagens em ficar no mesmo local por um longo período, permite concretizar projetos que, de outra forma, não seriam possíveis. Mas vejo a mudança e a troca de ideias e experiências como muito importantes para a evolução de métodos de trabalho e até para me realizar pessoalmente. Gosto muito de viajar mas só vivendo algum tempo noutro país é que somos capazes de conhecer realmente outros sítios e culturas. Sinto que estou a trazer novas perspetivas para cá, ao mesmo tempo que aprendo e incorporo novas formas de fazer as coisas.